O Fim da Disciplina e o Peso da Performance: Como Byung-Chul Han Explica Nossas Vidas Digitais

O Fim da Disciplina e o Peso da Performance: Como Byung-Chul Han Explica Nossas Vidas Digitais

Se você sente que seu celular é uma extensão do seu escritório, que cada notificação é uma nova demanda e que a exaustão se tornou seu estado normal, você não está sozinho. Você está vivendo as características da “Sociedade do Desempenho”, um conceito brilhantemente dissecado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

Mas o que isso significa? E como a tecnologia, de nossos aplicativos de mensagens ao nosso e-mail de trabalho, se tornou a ferramenta central dessa nova forma de viver?

Da Sociedade Disciplinar ao “Yes, We Can!”

Para entender onde estamos, precisamos saber de onde viemos. O filósofo Michel Foucault descreveu a Sociedade Disciplinar, que dominou até o século XX. Esta era uma sociedade de proibição e dever.

Era organizada por instituições de confinamento: a fábrica, o hospital, a prisão, a escola. O poder era negativo: “Você não deve fazer isso”. O indivíduo era um “sujeito de obediência”.

Byung-Chul Han argumenta que essa sociedade foi superada. Hoje, vivemos na Sociedade do Desempenho. Esta sociedade não é definida por muros ou proibições, mas por academias, escritórios de coworking, bancos e, claro, pela internet.

O lema da Sociedade do Desempenho não é “você não deve”, mas sim “Yes, we can!” (Sim, nós podemos!). O poder agora é positivo: “Você pode fazer tudo!”. O indivíduo se torna um “sujeito de desempenho”, um “empreendedor de si mesmo”.

O problema? Nessa nova lógica, não temos mais um “chefe” externo nos disciplinando. Nós nos tornamos nossos próprios capatazes. O agressor e a vítima residem na mesma pessoa. Exigimos de nós mesmos uma produtividade e uma otimização que nenhum chefe da era disciplinar ousaria exigir.

É aqui que a tecnologia entra como protagonista.


Avaliando o Impacto da Tecnologia na Sociedade do Desempenho

Vamos analisar as três afirmações propostas à luz dessa teoria, para entender como as notificações e a pressão por produtividade moldam nosso “eu” digital.

I. Os recursos tecnológicos, como notificações de mensagens, aumentam a sensação de urgência e a necessidade de estar sempre disponível.

Afirmação Verdadeira.

Por quê? As notificações são o “chicote” do capataz interno. Na sociedade disciplinar, o tempo era claramente dividido: você estava na fábrica (trabalhando) ou fora dela (descansando). A tecnologia digital dissolveu essa fronteira.

  • Ditadura da Urgência: Cada ping, buzz ou alerta visual do seu smartphone é um microcomando para performar. Não é um convite, é uma exigência de resposta imediata.
  • A Positividade da Conexão: O sistema é genial porque se disfarça de positividade. Estar “sempre disponível” não é visto como escravidão, mas como flexibilidade, proatividade e engajamento. Responder a um e-mail às 22h não é visto como exploração, mas como “comprometimento”.
  • O Fim do “Negativo”: Han diria que perdemos a “negatividade” do descanso. O silêncio, o tédio e a contemplação (atividades não produtivas) tornam-se intoleráveis. Se você não está respondendo, está perdendo. A tecnologia garante que você nunca precise parar de desempenhar.

II. A busca incessante por desempenho pode levar a um estado de exaustão e burnout entre os indivíduos.

Afirmação Verdadeira.

Por quê? Esta é, talvez, a tese central de Byung-Chul Han em seu livro “Sociedade do Cansaço”. Ele afirma que as doenças do século XXI não são mais virais ou bacteriológicas (como na era disciplinar), mas sim neuronais: depressão, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e, acima de tudo, o Burnout.

  • A Exaustão do “Eu”: O Burnout não é apenas cansaço físico. É um “infarto psíquico”. É o esgotamento da alma. Ele acontece quando o sujeito de desempenho, o “empreendedor de si mesmo”, não aguenta mais a pressão que ele impõe a si mesmo.
  • Autoexploração: A lógica da performance é a da autoexploração. Você se explora voluntariamente acreditando que está se realizando. O limite não existe, pois você “pode” sempre mais: mais um curso, mais um projeto, mais um freela, mais uma otimização pessoal.
  • A Culpa é Individual: O fracasso na sociedade do desempenho não é visto como uma falha do sistema, mas como uma falha pessoal. Se você está em burnout, não é porque o sistema é opressor; é porque você “não foi resiliente o suficiente”, “não soube se gerenciar” ou “não teve a mentalidade correta”. Isso gera um ciclo vicioso de culpa e ainda mais exaustão.

III. A individualização promovida pela sociedade do desempenho pode enfraquecer laços comunitários e sociais.

Afirmação Verdadeira.

Por quê? A sociedade do desempenho é fundamentalmente uma sociedade de isolamento e competição.

  • O Inferno do Igual: Embora estejamos “hiperconectados” (tecnologicamente), estamos socialmente isolados. Todos são forçados a ser “empreendedores de si”. O outro deixa de ser um parceiro em um projeto comum e se torna um concorrente na busca por performance, likes, visibilidade ou promoções.
  • Erosão do “Nós”: A lógica do desempenho é individualista (“Eu posso”). Ela corrói o “Nós” (a comunidade). Han argumenta em “A Agonia do Eros” que até mesmo os relacionamentos amorosos são “positivados” e transformados em algo a ser otimizado, consumido e descartado se não “performar” como esperado.
  • Comunicação sem Comunidade: A tecnologia facilita a comunicação (troca rápida de informações), mas dificulta a comunidade (a criação de laços profundos e rituais compartilhados). Nossas redes sociais são palcos para a performance do eu (mostrar como somos felizes, produtivos, bem-sucedidos), e não espaços para a vulnerabilidade e o acolhimento que constroem laços reais.

Conclusão: Estamos Presos?

Byung-Chul Han oferece um diagnóstico sombrio, mas essencial. As três afirmações são verdadeiras e estão interligadas: a tecnologia (I) alimenta a exaustão (II), que é resultado de uma individualização (III) extrema.

Estamos presos em um ciclo de autoexploração onde a tecnologia atua como acelerador. Não somos forçados por um “Grande Irmão” externo, mas nos tornamos nossos próprios vigilantes, medindo nossa produtividade em cliques e respostas imediatas.

A solução não é simples. Não se trata de demonizar a tecnologia, mas de recuperar a “negatividade” em um sentido positivo: o direito de não estar disponível, o direito ao tédio, o direito de não performar.

Para nós, do Ciberdicas, o desafio é usar a tecnologia para nos libertar, e não para nos tornarmos escravos mais eficientes de nós mesmos.

Thales de Oliveira Gomes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *